A rua Apa, uma travessa da avenida de São João próxima à praça Marechal Deodoro, ganhou notoriedade no final da década de 1930 devido a um crime envolvendo três membros da família que morava na casa de n. 236, o Castelinho da rua Apa.
O Castelinho tem uma implantação curiosa: a fachada principal está alinhada com a rua Apa e sua lateral está inclinada em relação à avenida São João (via que aparece em primeiro plano na foto acima). Para uma casa tão chamativa, o natural seria que estivesse voltada para a avenida. Na verdade, quando a casa foi construída, em 1912, era uma casa de meio de quarteirão, pois aquele trecho final da avenida São João ainda não existia.
A avenida São João que conhecemos hoje é fruto não só do alargamento da antiga rua de São João, como de sua ampliação em linha reta desde a Alameda Glete até a rua Lopes de Oliveira, vindo a confluir com a rua das Palmeiras. O mapa de 1930 mostra esse trecho final da avenida já aberto, cortando ao meio três quadras e criando a praça Marechal Deodoro.
O retângulo amarelo destaca o trecho novo da Av. São João, ainda truncado por casas remanescentes das antigas quadras, agora divididas pela avenida. Em azul, o terreno do Castelinho, imóvel que passou a ocupar uma das esquinas no cruzamento da rua Apa com a nova avenida.
A rua Apa foi imortalizada numa pintura feita em 1944 por Mick Carnicelli (1893-1967). O quadro pertence hoje ao acervo da Pinacoteca do Estado. A cena mostra uma antiga rua residencial de bairro, com uma atmosfera muito diferente da que predomina ali atualmente.
Uma foto contemporânea à pintura, permite supor que a cena retrata com liberdade parte da fachada do Castelinho voltada para a rua Apa e suas casas vizinhas. O tratamento em tons cinzas dessa fachada, em contraste com o tom quente que predomina no quadro, eventualmente, seja uma alusão ao drama doméstico que teve lugar ali. Por uma dessas vicissitudes da vida, numa cidade em que boa arquitetura é destruída sem dó, justo o Castelinho foi preservado. O Castelinho pertence ao INSS, é tombado pelo Conpresp desde 2004, foi restaurado pelo governo do Estado de São Paulo e está cedido à ONG Clube de Mães do Brasil.
Na esquina diametralmente oposta ao castelinho, ficam os edifícios Porchat do arquiteto Rino Levi, projeto de 1940. Voltados para o trecho na época ainda novo da avenida São João, o projeto dos edifícios Porchat se valeu da inclinação da via para criar quatro fachadas escalonadas, cada uma delas correspondendo a um condomínio independente. O conjunto foi tombado pelo Conpresp em 2018.
Os edifícios Porchat, bem desenhados e bem localizados na cidade, sofreram o infortúnio da presença do elevado. E, os milhares de transeuntes que circulam pela São João, têm a visada da arquitetura que conforma o entorno sempre truncada pelo Minhocão.
Na esquina da rua Apa com a atual rua Gen. Júlio Marcondes Salgado (antiga rua do São João), desde 1921, está o prédio da antiga Escola de Aprendizes Artífices (eng. Samuel das Neves). Hoje o prédio, que pertence ao governo federal, integra o complexo cultural formado pela FUNARTE/SP e pela Fundação Biblioteca Nacional. O acesso a esse edifício é feito pela rua interna da FUNARTE, enquanto a longa face voltada para a calçada segue sempre fechada.
Desde a construção do Minhocão, a atmosfera da rua Apa ficou um tanto contaminada. De lá para cá foi concluído o Edifício Beta, no mais, galpões sem desenho, excesso de grades de proteção e o descuido com o espaço público encabeçado pela FUNARTE dão o tom.
Após décadas sem atrair qualquer investimento significativo, na esquina diametralmente oposta ao complexo da FUNARTE, dois imóveis foram incorporados num grande terreno que está cercado e com alvará de execução. As linhas verticais do tapume sugerem que em breve um novo edifício conformará a paisagem daquela esquina, eventualmente, voltando a atrair habitantes para a rua Apa.
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