Quando o velho Hospital Humberto I no Bexiga faliu, em 1993, o conjunto de edifícios já estava tombado pelo Condephaat desde 1986. As restrições decorrentes do tombamento dificultaram a reocupação do imóvel por duas décadas. Abaixo, planta de São Paulo de 1905, onde já consta o Hospital Umberto I, cujo pavilhão inicial data de 1904, projeto de Giulio Micheli.
A resolução do Condephaat previa que, além do pavilhão inicial, alas posteriores, construídas nas primeiras décadas do século 20, tivessem mantidas fachada e gabarito, a capela de Santa Luzia (1922, Giovanni Battista Bianchi) e a antiga maternidade Condessa Filomena Matarazzo (1943) deviam ser preservadas integralmente. Outras construções existentes poderiam ser substituídas, desde que mantida a volumetria.
Depois que o hospital foi fechado em 1993, a pressão para que o Condephaat reavaliasse os limites de ocupação da área aumentou, tanto por parte da proprietária do terreno (Fundação Hospital Ítalo Brasileiro Umberto I), quanto de escritórios de arquitetura que entraram com projetos no órgão. As propostas de intervenção previam alguma demolição de bens protegidos e construção de novos edifícios. Os projetos foram indeferidos pelo Condephaat que, entretanto, optou pela revisão dos termos da Resolução de Tombamento. Essa revisão foi feita no âmbito de um dos processos indeferidos, aquele que tinha por interessado o Escritório Técnico Júlio Neves. O estudo, por equipe do Serviço Técnico de Conservação e Restauro com a participação do Escritório Técnico Júlio Neves, resultou num plano de massas, aprovado pelo Condephaat em 1995.
A partir dessa aprovação, foi desenvolvido projeto, aprovado pelo Condephaat em 1998. No entanto, uma associação do bairro Bela Vista moveu uma ação civil pública contra a aprovação do projeto de intervenção, entendendo que esse promovia o destombamento do Hospital Umberto I. Com a ação judicial, foram proibidas intervenções no local. Por fim, a decisão judicial, de 2004, manteve os termos do tombamento de 1986.
Em 2011, o conjunto foi comprado pelo grupo Allard, em 2012 o grupo entrou com um projeto no Condephaat que previa a construção de uma torre de 20 andares ocupando o lugar de um edifício de 6 andares construído em 1974 (bloco 10 no mapa acima). A construção da torre seria condição necessária para a conservação e restauração do conjunto antigo e viabilidade do empreendimento que previa hotel, espaços comerciais e culturais. Embora o projeto tenha sido indeferido, a situação acabou levando a um processo que resultou na alteração da Resolução de Tombamento, a justificativa para tal foi a constatação de que embora o tombamento tivesse impedido a demolição do conjunto, foi insuficiente para garantir sua preservação (CONDEPHAAT-Revisão-do-tombamento-do-Hospital-Umberto-I-São-Paulo-ELISABETE-MITIKO-WATANABE.pdf) Em 2015, o projeto foi aprovado junto aos órgãos competentes.
Por iniciativa do grupo Allard, no segundo semestre de 2014, o antigo conjunto hospitalar, muito deteriorado, foi aberto à visitação pública com uma enorme mostra de intervenção artística no espaço, a mostra “Made by…Feito por Brasileiros”. Mais de 100 artistas participaram da “ocupação do espaço” interagindo com o estado de abandono do edifício.
Após essa abertura do antigo hospital para a cidade, os tapumes se fecharam para as obras. Em 2018, as inusitadas imagens da alteração no embasamento da capela de Santa Luzia começaram a circular na mídia; até então apoiada em baldrame simples sobre a terra, a capela teve seu apoio “transferido” para uma estrutura de concreto armado (projeto estrutural Júlio Kassoy e Mário Franco) passando a ficar suspensa a 31m do solo.
O empreendimento, batizado de Cidade Matarazzo, segue em obras. O projeto do arquiteto francês Jean Nouvel, propõe uma torre cujo acabamento emula uma construção em madeira e cujos terraços em diversos níveis terão jardins com árvores. Dessa maneira, o arquiteto pretende criar uma continuidade vertical da vegetação um tanto selvagem que encontrou no hospital graças aos anos de abandono.
O site do empreendimento dá destaque à recuperação do patrimônio histórico, seria essa a “maior obra de revitalização de patrimônio histórico sem aporte de recursos públicos da história do Brasil”. Por ocasião da inauguração, que deve ocorrer em 2020, terão se passado quase 10 anos desde a compra do terreno e consumidos investimentos da ordem de R$1,5 bilhão. Parece loucura.
Investir em cultura dá retorno?
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