Imediatamente ao sul do Parque Dom Pedro II, às margens do rio Tamanduateí, a drenagem de uma várzea e a canalização de córregos na década de 1920, gerou uma área vazia bem no centro de São Paulo.
Ao longo dos anos, as quadras criadas entre as ruas Glicério, Lava-pés e Luiz Gama, no Cambuci, foram sendo ocupadas. Em amarelo as antigas oficinas da Light na rua Lava-pés, hoje uma enorme gleba vazia em que está sendo lançado um grande complexo habitacional, em laranja a área que foi ocupada pelo IAPI – Conjunto Habitacional Várzea do Carmo na década de 1940 e, em vermelho, área onde está em construção o Residencial 22 de Março pelo Fórum de cortiços e sem teto de São Paulo. As áreas azuis são ocupadas desde as décadas de 1960/1970 por enormes edifícios do Instituto de Previdência Social. O mapa mostra que antes dos viadutos do Parque Dom Pedro e do alargamento da Avenida do Estado, a área era razoavelmente interligada à Mooca e à Liberdade.
O Conjunto Várzea do Carmo foi construído por iniciativa do IAPI (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários). O projeto de Attilio Corrêa Lima, Alberto de Mello Flores, Hélio Uchoa e José Theodulo da Silva (1938-1942) se valendo da ampla gleba (185.000 m2) e da extensão da proposta, concebeu o conjunto como um enclave de urbanismo moderno vizinho à colina histórica de São Paulo. Os blocos laminares foram dispostos paralelamente nas quadras, sem divisão de lotes, em meio à área verde. O plano original previa aproximadamente 4000 unidades habitacionais espalhadas em 16 blocos de 12 pavimentos e 43 blocos de 4 pavimentos, além de áreas com comércio e serviços e edifícios institucionais. As unidades habitacionais, calculadas na época para uma média de cinco pessoas, variavam entre 41 e 85 m2.
Na foto aérea de 1958 é possível observar a permanência de grande extensão de áreas vazias na gleba do IAPI em contraposição à verticalização com alta densidade a noroeste da gleba, entre as ruas Oscar Cintra Gordinho, Conde de Sarzedas e Glicério (indicada pelo círculo vermelho). Hoje o Conjunto da Várzea do Carmo está tombado pelo CONPRESP (Resolução n. 44/2017), assim como dois blocos do INSS: a atual Agência do INSS (arquiteto Zenon Lotufo) e o antigo Almoxarifado e Administração (arquiteto Alfredo De Divitiis), preservando uma área de implantação urbana moderna em pleno centro de São Paulo: edifícios laminares dispostos paralelamente (década de 1940) e grandes blocos de dominante horizontal que sozinhos ocupam a quadra (década de 1960).
O Condomínio Residencial 22 de Março (Rua Barão de Iguape, 985) ocupa um pequeno trecho da antiga gleba do IAPI, junto à praça Nina Rodrigues. Com 278 unidades, tem como incorporadora a Entidade Organizadora Fórum de Cortiços e Sem Tetos de São Paulo, projeto de Juan González Arquitetura (Fábrica Urbana) e construção JCVITA. O terreno, de propriedade do governo federal, ia a leilão em 2011. Em março de 2011, associados da Entidade Organizadora fizeram uma ocupação da área, reivindicando para si o terreno. Segundo o site do Fórum de cortiços, após doze dias de acampamento, o Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social) concordou em vender o terreno pra a Entidade.
O programa de financiamento habitacional federal, Minha Casa Minha Vida, disponibiliza uma porcentagem para Entidades: cooperativas habitacionais, associações e entidades privadas sem fins lucrativos. O Fórum de Cortiços e Sem Tetos de São Paulo é coordenado por Verônica Kroll. Intencionalmente ou para responder às necessidades da demanda, a solução formal do conjunto residencial se destaca dos empreendimentos do mercado imobiliário. Com 21 unidades por pavimento, a torre se dobra num ângulo obtuso para melhor adaptação ao terreno. A solução do pavimento tipo dá destaque às unidades habitacionais, criando um ziguezague nas elevações.
O terreno da antiga gleba ocupada pelas oficinas da Light, com uma área aproximada de 110.000 m2, foi vendido pela Eletropaulo para o fundo americano GTIS. Todos os antigos galpões de tijolos, em boa parte remanescentes da década de 1920, foram demolidos em 2014.
A partir de uma tábula rasa, o plano imobiliário de ocupação da gleba prevê o fatiamento da área em terrenos de 3.000 a 3.500 m2, com a criação de condomínios independentes com até 300 unidades cada. No centro do complexo está prevista uma praça. No total, serão 35 torres e 5.500 unidades habitacionais. Cerca de 60% dos imóveis se enquadram nas faixas 2 e 3 do programa Minha Casa Minha Vida.
O empreendimento Pátio Central, em que pese a enorme gleba disponível, busca uma inserção não destacada da cidade ao redor, com os edifícios dispostos em lotes francamente voltados para a rua. Ao mesmo tempo, não estando a cargo de institutos de categorias profissionais ou entidades sociais e em que pese o financiamento Minha Casa Minha Vida, deve competir no mercado, o que conduz à busca da normalidade de mercado para o extrato sócio econômico a que se destina: desenho convencional, número de unidades por pavimento convencional, símbolos de status convencionais.
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