Em janeiro de 1971, São Paulo inaugurou o elevado de 3,4 km que sufoca a av. General Olímpio da Silveira, a praça Marechal Deodoro, parte da av. São João e a rua Amaral Gurgel no centro de São Paulo, o famigerado Minhocão. Foi um movimento importante na deterioração da região central.   No início, o tráfego nunca era interrompido, prejudicando enormemente a qualidade de vida nos edifícios do entorno. Em 1976, o tráfego passou a ser interrompido entre meia-noite e 5 horas da manhã; em 1989, o horário de interrupção noturna foi ampliado – das 21:30 às 6 horas da manhã – e passou a ficar fechado aos domingos. Mas o estrago estava feito. A região perdeu valor, os edifícios passaram a estar mal mantidos, pouco importando sua qualidade, alguns deles desenhados por grandes arquitetos caso, por exemplo, do edifício Araraúnas.

Edifício Araraúnas, década de 1950. Foto: José Moscardi (Acrópole, 234, 1958)

O Araraúnas, de 1953 (av. São João 1833), projetado pelo arquiteto Adolph Franz Heep (edifício Itália, Hotel Jaraguá) recebeu o Grande Prêmio da 3ª Bienal Hispano-Americana de Arte, Barcelona/ 1955. Situado numa esquina, tem a lateral paralela à Alameda Glete e a elevação principal traça uma curva suave, evitando o ângulo agudo daquela esquina. Todas as unidades têm terraço voltado para o que era então uma aprazível avenida São João.

Edifício Araraúnas: trecho da face voltada para o Minhocão. Foto: FMM, março de 2018

Para quem desce a rua Martim Francisco em direção à Alameda Glete, os fundos do Araraúnas mostram o cuidado do desenho, mesmo numa elevação sem qualquer garantia de que fosse permanecer visível. 

Fundos do Edifício Araraúnas. Foto: FMM, abril de 2021

Os edifícios Porchat, do arquiteto Rino Levi, são quatro edifícios independentes, concebidos para quatro irmãos. Embora sejam iguais, o arquiteto soube tirar partido da inclinação dos lotes para destacar cada um dos blocos.  O conjunto foi tombado pelo Conpresp em março de 2018. Um reconhecimento à importância da obra do arquiteto na sua adequação dos “princípios da Arquitetura Moderna […] à realidade paulistana daqueles anos” <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/re3218tombamentoobrasrinolevirevisaopdf_1551381264.pdf>. 

Edifícios: Oswaldo Porchat, Reynaldo Porchat, Barro Branco e Doze de Outubro. Foto: FMM, março, 2018

O artigo 375 do Plano Diretor Estratégico (lei número 16050), previu a completa desativação do Minhocão como via de tráfego. Desde 2015, os horários de tráfego de veículos vêm sendo diminuídos, hoje o período permitido para tráfego de veículos é de segunda a sexta, das 7h00 às 20h00. Em 2018, a lei 16833 criou o Parque Municipal Minhocão. Desde então, o elevado tem vida dupla: Elevado João Goulart durante o horário comercial nos dias de semana e Parque Minhocão à noite, domingos e feriados. No entanto, sob o Elevado, os problemas não mudam: a enorme poluição tanto do ar quanto sonora, a horrenda estrutura, a triste cena dos desabrigados que sobrevivem em meio à sujeira no canteiro central, a insalubre proximidade entre o elevado e os edifícios. Hoje o parque Minhocão é um espaço que se vale do relativo controle de acesso, permitindo piqueniques e confraternizações e certa independência para as crianças livre de assédios e abordagens. Além disso, para os pedestres, acostumados às perigosas armadilhas nos pisos das calçadas, usufruir do piso destinado aos automóveis não tem preço. De qualquer forma, a solução do Parque Minhocão segue controversa.

Foto: FMM, maio, 2021

De alguns anos para cá, no entanto, são visíveis os investimentos privados nos imóveis do entorno.  Situação quase inexplicável, já que a situação urbana sob o Minhocão segue muito ruim. Para além da parcial desativação do tráfego motorizado no elevado e da expectativa de sua proibição definitiva, os investimentos parecem apontar para uma mudança de mentalidade em relação à cidade e à revalorização da região central como local de moradia. Na recuperação do conjunto edificado, há o caso, por exemplo, dos edifícios Marajó e Ana Maria. Situados nos números 615 e 589 da rua Conselheiro Brotero, esquina com avenida General Olímpio da Silveira, foram reformados e atualizados para o modo de vida contemporâneo (arquitetura: Readymake, 2019).

Cobertura do edifício Marajó, atrás o edifício Ana Maria em “L”. Foto: Paula Monroy
http://www.readymake.org/pt-br/edif205-cio-maraj211-/33/p/
Edifícios Marajó e Ana Maria. http://www.readymake.org/pt-br/arquitetura/edif205-cio-ana-maria/41/p/# Foto Paula Monroy

Hoje, em 3 esquinas da curta rua Amaral Gurgel há dois edifícios em construção e um em lançamento. Um dos dois já em construção é um empreendimento BemViver Centro, do empreendedor André Czitrom, que se enquadra no programa minha casa minha vida de financiamento federal. Situado numa esquina da Amaral Gurgel com Marquês de Itu, o BemViver Marquês de Itu tem projeto de Isay Weinfeld e 125 unidades habitacionais.

Perspectiva do BemViver Marquês de Itu em https://magikjc.com.br/empreendimento/bem-viver-marques-de-itu/#
Obras do BemViver Marquês de Itú, Foto: FMM, maio, 2021

O outro edifício em construção na rua Amaral Gurgel, esquina com a rua Major Sertório (IS Consolação, rua Major Sertório, 423) é um “coliving”: unidades pequenas, com áreas comuns compartilháveis.

A dicotomia colocada pelo “parque minhocão” dá o que pensar.  O baixo do viaduto é retrato escarrado do abandono do centro pelo poder público, enquanto o espaço qualificado em cima, relativamente protegido e sem lixo, dá o gostinho do centro que poderia ser, ou virá a ser?

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